Com os magos, aproximemo-nos da gruta-estábulo de Belém para acolher e reconhecer o rei-servo que
nos faz livres, que nos conduz ao melhor de nós mesmos/as, que nos leva
para fora do estreito círculo dos interesses mesquinhos e dos medos
disfarçados. Contemplemos a glória de Deus que brilha nas suas criaturas e
deixemos aos seus pés nossos melhores dons: o desejo de uma humanidade
tecida de infinitos gestos de aproximação e de solidariedade, inclusive
entre quem não pertence à mesma religião ou à mesma nação.
Homens de outros pagos e diferentes crenças, os magos chegam a Jerusalém vindos do oriente, guiados por um sinal que
brilha no firmamento. Mateus nos diz que eles batem às portas dos
chefes políticos e dos líderes religiosos pedindo ajuda para decifrar os sinais e
descobrir o caminho. Os escribas mostram saber, mas são incapazes de se
mover. Herodes fica sabendo das coisas e é assaltado pelo medo de
perder o poder. Os magos aprendem e ensinam que Aquele que merece honra e
reverência não está nos palácios, nem nas capitais...
Por
mais que o profeta a elogie, Belém está entre as cidades mais
insignificantes de Judá. Somente a teimosia e a fé dos pobres podem
esperar algo de um lugar tão insignificante. Pois é em direção a Belém
que os magos seguem, e é lá que encontram a inocente alegria com feições
de um menino, deitado numa manjedoura, sob o olhar cuidadoso de uma
mãe. Como os magos, sábios estrangeiros e pagãos mal-vistos, somos
chamados a redescobrir nossa fé original em lugares egrupos humanos que
tomam distância do terrível vírus do poder.
O
Pe. Berthier observa que o mesmo fato que faz a alegria dos magos
provoca também o medo de Herodes. O que motiva a viagem dos magos coloca
em alerta a capital e a classe dirigente de um pobre país dominado. Mas
nada desencoraja estes peregrinos da fé: nem a indiferença dos líderes
religiosos, nem o medo do rei submisso ao império, nem o paradoxo da
estrebaria. Que prova para uma fé pouco robusta!... Mas eles
compreenderam que aquela era a morada mais adequada para quem vinha para
abater os poderosos e elevar os humildes.
Herodes
aconselhara que os buscadores estrangeiros fossem a Belém e voltassem
trazendo-lhe preciosas informações. Mas eles caminhavam levando
presentes, e não cadernos de anotações... A estrela-sinal cumpre seu
papel transitório, mas o sinal de que a humanidade tem um novo líder é
o “menino deitado na manjedoura”. Os magos reconhecem a realeza de
Jesus Menino e lhe oferecem ouro. Proclamam sua divindade oferecendo-lhe
incenso. Mas também prenunciam sua morte, que seria desde cedo tramada
nos corredores dos palácios, oferecendo-lhe mirra.
Este
é o núcleo da fé que professamos: um Deus que se sente bem assumindo a
carne humana e que, por amor, não recusa a cruz. Como é possível que
tenhamos nos afastado tão perigosamente disso? Como entender que as
igrejas tenham transformado a estrebaria em palácios, os sábios
estrangeiros em reis que barram migrantes, os pastores em imperadores?
Como é possível que tenhamos “descafeinado” uma fé tão revolucionária,
reduzindo-a a uma espécie de analgésico para as dores de uma má
consciência?
Paulo fala de um mistério até então desconhecido e finalmente a ele revelado: que todos os povos e religiões particpam da mesma herança do Reino de Deus e são membros do corpo de Cristo em igual dignidade com
os judeus. Com isso, Paulo derruba todos os muros que separam e
hierarquizam, atraindo também a raiva de muitos compatriotas. Em nome de
Deus, ele nega toda superioridade religiosa. Na raiz da nossa fé está
esta alegre descoberta da igualdade, sem privilégios.
É
a ti que nos voltamos, Deus dos humildes, Deus envolto em fraldas,
destino e refúgio de todos os que peregrinam nas estradas de um mundo
desigual. Dá-nos palavras e sinais que guiem nossos passos inseguros no
rumo certo. Não deixes, bom Deus, que tua Igreja se detenha nos
palácios, que quase sempre escondem prisões. Ajuda-nos a reconhecer tua
presença na Belém de todos os homens e mulheres e a ver as diversas
religiões como diferentes caminhos que conduzem ao encontro contigo. E
ensina-nos caminhos novos, que nos levem a um mundo novo. Assim seja!
Amém!
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